sábado, 3 de março de 2012

Polisse (2011)

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Polissia de Maïwenn presente na selecção oficial do Festival Internacional de Cinema de Cannes em 2011 e tido como um dos filmes choque do ano foi não só uma agradável surpresa que presenteou as nossas salas de cinema como também se assume como um filme forte, frio e bastante intenso que consegue por diversas ocasiões gelar os nossos ossos.
A Unidade de Protecção de Menores da Polícia de Paris é confrontada com a presença de Melissa (Maïwenn), uma fotógrafa contratada para uma reportagem fotográfica não só sobre os elementos do departamento como também da sua acção diária contra o crime e as violações dos Direitos dos menores que dão origem a uma multiplicidade de ocorrências às quais eles nem sempre conseguem ficar indiferentes. Desde abusos sexuais, pedofilia, carteiristas, prostituição, sexualidade infantil ou droga que afecta crianças das mais variadas idades, este grupo de agentes, pouco respeitados pelos demais por não terem "verdadeiras funções policiais", debate-se ainda com os seus dramas pessoais e traumas familiares que aos poucos os vão consumindo por dentro.
Como consegue este conjunto de homens e mulheres manter o equilibrio entre as suas vidas pessoais e profissionais quando percebem claramente que o pior existe no seio de uma sociedade que parece tantas vezes perdida?
Entre relações falhadas, amizades perdidas e a tentativa de se manterem lúcidos ao longo de dias e dias de um trabalho árduo que os coloca no mais variado tipo de situações, conhecemos um conjunto de personagens muito características entre as quais podemos destacar logo de imediato "Fred" (Joeystarr), o mais impulsivo de todos os agentes que reage a frio às inúmeras injustiças processuais com que depara, e que acaba por encontrar em "Melissa" o conforto que se percebe já ter perdido dentro da sua própria casa. O mesmo se pode dizer dela, de quem percebemos manter com Francesco (Riccardo Scamarcio), pai das suas filhas, uma relação meramente de amizade.
À prova será também colocada a amizade entre "Iris" (Marina Foïs) e "Nadine" (Karin Viard). A primeira vive os seus distúrbios alimentares ao mesmo tempo que a relação com o seu marido parece estar à beira do fim por não conseguirem ser pais. Facilmente percebemos que os entraves que "Iris" coloca à possibilidade de ser mãe são mais do que conscientes. Como conseguirá ela trazer uma criança ao mundo quando percebe que estas são vítimas, directa ou indirectamente, das maiores atrocidades que conhece? Conseguirá ela própria manter-se dentro da lei se um dia a um filho seu fosse perpetrada alguma dessas atrocidades?
Ao perceber que o seu casamento falhou "Iris" aconselha "Nadine" (que vê nela a mulher forte e determinada que não consegue ser), a deixar o seu casamento. Mas os remorsos por se sentir sempre próxima do seu marido que entretanto afastara irão rapidamente surgir e "Nadine" não irá aguentar a pressão que, em última análise acaba por determinar a relação entre todos eles que vivem, assumidamente, os problemas uns dos outros.
A excelência deste filme vive num brilhante argumento da autoria de Maïwenn (que no fundo se assume como a força todo-poderosa deste filme ao realizar, escrever e interpretar uma das personagens centrais) e de Emmanuelle Bercot, mas também na requintada e sentida composição das personagens que um magistral conjunto de actores interpretou. E não me refiro apenas aos já referenciados actores mas a todos os outros que, em interpretações mais ou menos secundárias se assumem como fortes alicerces de uma história que dispara em todas as direcções e expõe a cru um conjunto de casos que podem ser reais em qualquer parte de um mundo dito "desenvolvido". Entre amores e desamores, relações que no fundo são mais do que profissionais e a própria profissão que os coloca entre dilemas e o mais variado grupo de molestadores que passam desde o "simples" traficante a um pai ou mãe que abusa sexualmente de um filho, este conjunto de personagens não poderia ser mais excêntrico e, ele próprio, sentir-se psicologicamente afectado pelas situações diárias em que são colocados. E são estas que os fazem ter o mais absurdo comportamento quando com elas se deparam que pode provocar desde uma distância atroz como o mais inesperado momento de comédia.
Mas se é de momentos sérios, profundos e que conseguem literalmente arrepiar o mais insensível dos espectadores que se quer falar, posso referir três em concreto sem, no entanto, divulgar grandes detalhes sobre os mesmos. O primeiro está relacionado com a violação de uma menor que entretanto engravida. Ao efectuar um aborto, a jovem recusa-se a dar um nome à criança. É "Iris" que o faz... dando-lhe o seu. Se analisarmos a trajectória desta personagem, o momento é deveras macabro, desolador e revela o seu clímax não podendo dele esperar nada de positivo.
O segundo prende-se com o facto de uma mãe sem-abrigo ao dirigir-se à polícia com o seu jovem filho para que fiquem com ele. A reacção da criança (filho na realidade daquela mulher) quando percebe que a mãe o vai deixar é, no mínimo, desoladora.
E finalmente o momento que durante todo um filme já de si duro, conseguiu literalmente gelar-me o sangue. "Iris" recebe uma promoção para liderar o departamento, mas a pressão de um casamento falhado, de uma profissão que já a desumanizou o suficiente e agora com a amizade de "Nadine" ferida de morte, tudo assume para ela uma dimensão cruel demais que aparentemente já não consegue suportar. Os instantes finais deste filme são francamente perturbadores e provavelmente os segundos mais intensos a que assisti num filme nos últimos tempos.
É certo que existem alguns momentos positivos no filme onde o amor e as relações que parecem florescer nos dão alguma esperança sobre o futuro destas personagens que vivem diariamente um conjunto de situações que qualquer um de nós simplesmente nem quer imaginar. No entanto, não deixa igualmente de ser verdade que a realidade é dura e pesada demais para que quem pensa nela (ou a vive) tão intensamente, lhe consiga resistir incólume durante muito tempo.
E é também igualmente uma pena que este filme tenha passado rápido (demasiadamente rápido) pelas salas de cinema nacionais pois é um filme que deveria ter sido mais divulgado, discutido e debatido com interesse e preocupação pois estes são problemas reais que afectam tantas sociedades (incluindo a nossa) e que não são, infelizmente, situações meramente imaginadas. Este é um filme forte, muito intenso e por vezes bruto que não consegue deixar nenhum de nós indiferente.
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10 / 10
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