quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O Segredo Segundo António Botto (2012)

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O Segredo Segundo António Botto de Maria Azevedo e Rita Filipe é uma curta-metragem portuguesa de ficção que nos conta a história de uma relação entre os poetas Fernando Pessoa e António Botto.
Quando um dia António Botto (Tiago Ortis) sugere a Fernando Pessoa (Tiago Manaia) uma troca de cartas de amor fictícias, longe estava de imaginar que Manuel de Andrade, um dos muitos heterónimo deste último as assinasse, lançando assim a incerteza sobre a real motivação e sentimentos de Pessoa sobre este amor que parecia crescer para além de um conjunto de cartas ficcionadas.
Rita Filipe, Maria João Freitas e João Rebelo Pinto escrevem um argumento em torno de um hipotético romance da relação amorosa proibida e das escolhas de vida dos dois poetas, tudo isto enquadrado numa época conturbada e de marcados valores ultra-conservadores que se faziam sentir em Portugal.
Somos assim transportados para um momento particular na vida destes dois homens que sentindo necessidade de declarar o amor que sentiam um pelo outro, encontraram na escrita a forma perfeita de o proclamarem escondidos mas, ao mesmo tempo, para que estivesse acessível a todos aqueles que os rodeavam a à própria sociedade que ao pouco os repudiava por esses mesmos sentimentos proibidos para os demais. Assim, e independentemente da veracidade, ou falta dela, dos factos, estes três argumentistas conseguem criar uma história que é não só cativante por nos inserir na mente de um dos mais complexos e admirados escritores portugueses como também tornar a sua já secreta vida num mistério interessante de desvendar, quando percebemos que podemos ter um pouco da vida amorosa e sentimental do mesmo, principalmente se pensarmos que à sua época, e ainda hoje, é uma figura que gera sempre curiosidade como foi Pessoa.
Ao mesmo tempo não podemos esquecer aquele que dá o nome ao título a esta curta-metragem, e reflectir um pouco sobre a vida de António Botto, poeta homossexual que escandalizou a sociedade Lisboeta de então, e a sua curiosa forma de se aproximar daquele de quem gostava mesmo mantendo as aparências oficializando um casamento que sempre foi de mera conveniência. Mas, como nos é referido no final deste filme, as cartas que ambos os poetas trocaram (supostamente), nunca apareceram porque nunca existiram, mistificando assim esta história e relação sendo que, no entanto, há sentimentos e palavras maiores que fazem evidenciar o amor sem que este tenha necessidade de ser escrito. A evidente cumplicidade que se sentia entre ambos era (é) o motor suficiente para fazer pensar que existia mais do que uma simples amizade, e que um poderia completar, mesmo que há distância física e dos olhares alheios, o outro.
É por este mesmo motivo que é utilizado um revelador excerto durante esta curta-metragem quando nos é evelado que "condenados, hirtos, a vida sem estímulo, sem fé, sem convicção", era para ambos algo penoso de viver pois sabiam que o verdadeiro amor, aquele que jamais alguém poderia controlar, era o que sentiam mesmo que as convenções e a moral o impedissem. Estavam condenados, seriam perseguidos e como tal teriam de negar o que sentiam vivendo sem o afecto mútuo e por isso sem qualquer estímulo para o futuro que os esperava mais ou menos longo.
"Anda, Vem... Porque Te Negas" referia-se Pessoa ao seu amado... ou à morte, a única que poderia realmente amar, pois seria ela que finalmente o iria libertar de uma vida vivida sem paixão e entrega aos seus verdadeiros sentimentos.
Ficcionado ou não nunca saberemos na realidade, os três argumentistas conseguem criar uma perfeita história de um amor impossível que baseado em diversos textos dos poetas permitem uma livre interpretação do seu real significado, afinal "o amor não precisa ser escrito para ser sentido", tornando esta curta-metragem num trabalho claramente bem sucedido e ao qual vêm contribuir pela positiva as sentidas e cúmplices interpretações de Tiago Manaia como um "Pessoa" apático que apenas se revela em dois muito concretos momentos. O primeiro quando presenciamos o único afecto entre os dois poetas, e finalmente no momento da sua morte onde esta o libertou de qualquer convenção, permitindo-lhe declamar o seu verdadeiro amor. E a acompanhá-lo temos Tiago Ortis como "Botto", um homem aparentemente mais forte e emocionalmente contido que cedeu às imposições da sociedade esquecendo aquilo que o seu coração lhe pedia, não só devido a uma moral imposta como também pela incerteza da reciprocidade dos seus sentimentos. Manaia e Ortis completam e complementam as respectivas interpretações onde se denota uma grande dedicação à alma e à essência destas duas importantes figuras da primeira metade do século XX.
E se na essência temos um filme forte e bem estruturado, não é menos verdade que tecnicamente apresenta diversos factores de excelência nomeadamente no seu requintado guarda-roupa de época da autoria de Ana Rita Antunes que é complementado por uma perfeita caracterização de Raquel Laranjo e uma direcção de arte de Mariana Neto que, em harmonia, nos inserem na polida e aparentemente perfeita época em questão.
Finalmente deixo ainda um apontamento muito positivo à emocionante música original da autoria de Leonardo Mascarenhas que nos consegue fazer embrenhar pelos meandros dos sentimentos proibidos sentidos por estes dois vultos, e a exímia direcção de fotografia de André Mendes e Miguel Reis que transformam uma luminosa cidade de Lisboa num ambiente opaco e sem variações distintas de cor ou luz que reflectem à sua maneira a falta de expressividade que se fazia sentir nos corações destes dois homens.
Temos assim O Segredo Segundo António Botto que se afirma, muito para além de um trabalho universitário, como uma curta-metragem que foge aos clichés do género e que se assume como um dos mais fortes filmes dos últimos tempos não só pela sua história como também pela sua perfeita execução, facto este que me deixa a pensar sobre o que seria esta história com mais recursos para ser transformada numa longa-metragem pelas mãos destes profissionais.
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"Fernando Pessoa: Anda, Vem... Porque te Negas... (António)..."
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10 / 10
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