sexta-feira, 4 de abril de 2014

Pecado Fatal (2013)

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Pecado Fatal de Luís Diogo é uma longa-metragem portuguesa independente que foi exibida no FESTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa a decorrer no Cinema São Jorge, em Lisboa e que chega a este festival já com um percurso internacional que desperta o interesse do espectador.
Nuno (Miguel Meira) saiu de um casamento falhado e apesar de uma vida financeiramente desafogada peca por um lado sentimental inexistente. Uma noite, Miguel (João Guimarães), o seu melhor amigo bate-lhe à porta e pede-lhe o quarto de hóspedes para passar um bom bocado com Lila (Sara Barros Leitão) que havia chegado a Paços de Ferreira com a missão de descobrir o seu próprio passado.
No entanto, é depois de Miguel deixar Lila em casa de Nuno que estes dois se envolvem sem, no entanto, Lila saber que já não estava com Miguel. Depois de Nuno acolher Lila em sua casa enquanto hóspede, a química entre ambos desenvolve-se e é aquele acto inconsciente que poderá determinar toda a relação afectiva que se desenvolve entre ambos e que irá culminar com as descobertas que Lila faz a propósito do seu secreto passado.
Confesso que Pecado Fatal despertou em mim um interesse imediato pelo simples facto de se apresentar como um filme independente neste ano complicado de apoios ao cinema português, e que tem feito alguma carreira internacional não só com críticas positivas como também com algumas distinções que marcam a sua presença em festivais de cinema. Na prática qualquer cinéfilo aprecia saber que o cinema do seu país se encontra aparentemente tão bem representado pelas mais diversas localidades. No entanto foi ao mesmo tempo um sentimento de desconfiança que se instalou quando Pecado Fatal se apresenta com uma tagline onde se afirma que este é "um filme português para quem não gosta de cinema português". Questiono-me então sobre quão relevante pode ser um filme, por muito bom que seja, que repudia aquilo que ele próprio representa? Se por um lado defendo que o cinema, na prática, não deve ter nacionalidade pois o poder da sua mensagem quando efectivamente boa pode sensibilizar qualquer indivíduo esteja ele onde estiver, ao mesmo tempo Pecado Fatal não deixa de ser um produto que, por entre toda a sua individualidade, representa o fruto de um espaço, de um ambiente e de um meio geográfico... o português. Meio esse que se goste ou não fez nascer alguns dos mais emblemáticos realizadores a nível mundial como Manoel de Oliveira, Pedro Costa, Edgar Pêra, João Canijo ou Teresa Villaverde já para não referir toda uma nova geração de realizadores portugueses que certamente nele irão figurar com a sua marca pessoal e nos quais o próprio Luís Diogo, realizador de Pecado Fatal, também se insere etariamente. Pergunto-me então se isto terá sido propositadamente elaborado ou não terá passado de uma escolha menos feliz e que menospreza todo um passado e presente cinematográfico na esperança de ser algo mais do que aquilo que alguma vez se poderá conseguir ser!
Dito isto, depois deste desabafo, passo agora a uma análise mais atenta sobre o filme Pecado Fatal que independentemente das suas falhas narrativas e técnicas consegue, ainda assim, ser um filme interessante e com algum entretenimento, drama e boa disposição à mistura. Não sendo o melhor filme português até à data, nem tão pouco aquele que irá fazer o público gostar mais de cinema português, Pecado Fatal tem alguns elementos curiosos que nos faz ir aceitando o filme à medida a que a ele vamos assistindo nomeadamente um certo clima que consegue ser criado entre os dois actores protagonistas, Sara Barros Leitão e Miguel Meira. Se Barros Leitão e a sua "Lila" conseguem criar uma dinâmica inicial que nos leva a simpatizar e querer saber que misteriosos caminhos e objectivos a levam àquela cidade, não é menos verdade que se tornam previsíveis à medida que os elementos externos se vão propositadamente revelando dando a conhecer ao espectador o que irá realmente acontecer caindo, no entanto, em lugares comuns que roçam a dinâmica televisiva e não cinematográfica nomeadamente o clímax da sua personagem que de bem disposta e ritmada se torna quase neurótica e em espiral destrutiva. Por sua vez, Miguel Meira consegue criar um "Nuno" que, apesar de mais contido e reservado, se assume como aquela personagem que tem um maior e mais estável crescendo mostrando-se inicialmente um tipo que não pretende grandes laços afectivos ou sentimentais mas que depois se revela cada vez mais interessado em conhecer aquela jovem mulher que o destino trouxe até à sua casa.
A dinâmica entre os dois oscila e não revela ser constante e enquanto Barros Leitão atinge clímax com a sua demanda que a elevam a níveis não desejados, pouco naturais e notoriamente interpretativos distantes do momento em que começou este filme, Meira consegue ser constante e mais credível sem, no entanto, conseguir manter a química entre os dois que havia sido inicialmente criada.
Mas existem ainda as personagens secundárias dignas, também elas, de um pequeno apontamento. José Eduardo, como o solitário vizinho de "Nuno", poderia ter sido uma personagem forte que revelaria o resultado de uma vida solitária e distante dos demais se tivesse sido alvo de um desenvolvimento mais profundo e dinâmico onde conquistaria o seu próprio lugar. Este contrapeso é assim assumido por João Guimarães e o seu "Miguel" faia e cool, pretendendo assim assumir-se como o elemento que balança o filme para os momentos de comédia e consegue realmente tornar o filme mais descontraído mas ao mesmo tempo sentimos que alguns dos seus segmentos são forçados e propositados para dar continuidade à narrativa (lembremo-nos do momento em que o café cai em cima da t-shirt de "Nuno"), por não se sentir uma naturalidade genuína em todos os seus segmentos. Não deixa de construir uma personagem interessante mas o espectador percebe que tem ali muito mais "sumo" que ficou por revelar.
A nível técnico e narrativo as falhas também se fazem sentir... Apesar do argumento, também ele assinado por Luís Diogo, conseguir criar alguma dinâmica e ultrapassar pequenos obstáculos que mantêm o espectador atento para saber o que irá acontecer a seguir, não é menos verdade que se remete para alguns clichés que poderiam ter sido limados e portas que se abrem sem nunca se lhes dar o melhor encerramento. Enquanto o espectador é levado a crer que o pecado fatal aqui cometido é o abandonado de "Lila" enquanto bebé, os elementos que nos remetem para a veracidade sobre os seus pais e que eles sim são o verdadeiro pecado que dá título a este filme é quase esquecido e ignorado para instantes finais que podem ser quase indiferentes ao espectador.
É também no seguimento da descoberta sobre os pais de "Lila" que chegamos à sua mãe, inicialmente catatónica e sem expressão ou emoção possível mas que, em instantes, revela uma sensibilidade e mobilidade extremas aquando da presença da sua neta... Queremos um filme, não um relato telenoveleiro onde tudo e todos acabam bem independentemente dos pecados anteriormente cometidos. Se o espectador é levado para um universo de pecado, ainda por cima apelidado de fatal, o que se espera é uma história que, apesar de poder terminar bem, não o faz tão bem como aquilo que aqui temos representado.
Pecado Fatal é, enquanto obra cinematográfica, um simpático filme de entretenimento que na sua essência poderia ter ido mais longe eliminando algumas banalidades que se notam propositadamente existentes para apelar a um grande público esquecendo assim a consistência e solidez que se espera da história e da credibilidade das suas personagens. Enquanto obra independente e feita num país em que o cinema está cada vez mais esquecido, é de louvar a iniciativa de Luís Diogo em dirigir, produzir e escrever este filme tornando-se assim na sua força motora e ainda conseguir que um filme independente português encontre o seu espaço para exibição em sala de cinema, no entanto, não deixa também de ser verdade que algum do marketing feito para atrair um público ainda reservado a respeito do seu próprio cinema não foi, nem de perto nem de longe, o melhor. Do mal que alguns se queixam sobre o cinema português ser sempre para algumas "elites" esquecendo todos os demais autores também aqui, mas ao inverso, se publicita que Pecado Fatal é aquele filme para os que não gostam do cinema feito em português... e esse não deixa também ele de ser um próprio pecado.
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