quinta-feira, 3 de abril de 2014

Serra Pelada (2013)

.
Serra Pelada de Heitor Dhalia é uma longa-metragem brasileira que serviu de abertura para a quinta edição do FESTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa que irá decorrer no Cinema São Jorge, em Lisboa até ao próximo dia 9 de Abril, e ainda o primeiro filme a ser exibido da Competição de Longas-Metragens.
A longa-metragem conta-nos a história de Juliano (Juliano Cazarré) e Joaquim (Júlio Andrade), dois amigos que no  início dos anos 80 do século passado se dirigiram para a Floresta Amazónica onde se dedicaram a largos anos à procura do ouro.
Num misto de sonhos e ilusões por uma vida melhor e longe das preocupações económicas que a todos perseguiam, estes dois amigos e milhares de outros homens que para ali rumaram entram aos poucos numa espiral de obsessão por uma vida fácil, de riqueza desmesurada e de ascenção e poder através da força que aos poucos destrói não só as amizades como principalmente a essência de cada um. Enquanto Juliano se transforma num pequeno mafioso local eliminando todos os seus opositores, o idealista Joaquim esquece os valores e as promessas que fez antes de ali chegar.
Poderá esta amizade manter-se celebrando assim uma réstia daquilo que eles em tempos foram?
Heitor Dhalia e Vera Egito assinam o argumento desta história que versa aquela que é a realidade humana face a uma crescente opulência. Desde a ostentação à soberba passando pela desconfiança e violência, Serra Pelada conta-nos a história de dois homens no meio de uma multidão que facilmente cegou face à necessidade inconsciente de enriquecer rápida e facilmente, levando consigo todos os valores morais que alguma vez pudessem ter denotado.
Pelo meio temos ainda a sentida amizade que uniu "Juliano" e "Joaquim" dois homens que, como tantos outros, largaram o pouco ou muito que tinham com a ambição de um dia poderem estar na posição confortável a que sempre julgaram ter direito, apoiando-se na amizade comum e nos valores que numa sociedade normal são considerados como os ideias para a própria sobrevivência. No entanto, num meio onde todos querem enriquecer com aquilo que o seu vizinho tem, os valores e os limites alternam passando a ser a lei do mais onde sobrevive não só aquele que melhor se adapta como, principalmente, aquele que aos poucos consegue eliminar os seus mais directos rivais mantendo uma posição de respeito pelo medo aos demais. É aqui que encontramos estes dois homens de uma forte e sólida amizade que unem esforços pelo seu interesse comum mas que, tal como numa Torre de Babel, foram corrompidos pela sua nova vida de poder e de dinheiro que os obriga a optar por valores e acções que em nada correspondiam àquilo que outrora haviam sido, afinal demonstrar preocupação com o próximo é o primeiro e talvez maior sinal de fraqueza. Se "Juliano" opta por uma vida de maior força física e de imposição pela violência (antes que esta recaia sobre si), "Joaquim" decide que irá abandonar aquela vida quando as suas poupanças assim o justifiquem sendo que aos poucos fica "agarrado" à mesma como se de uma dependência de uma droga se tratasse. No fundo questiona-se em silêncio se será capaz de regressar a uma vida que sente já não merecer junto da sua mulher e da sua filha que não conhece.
É quando nos questionamos sobre a aparente separação destes dois homens e que observamos os diferentes rumos que levam as suas vidas que percebemos que estamos perante um universo onde eles próprios esqueceram quem eram e quais os objectivos que os levaram ali, tendo sido cegados pela ganância que o ter muito e desejar mais lhes provocou. Mas, no final, pensamos se teremos realmente assistido à morte anunciada desta amizade ou se ela apenas ganhou novos contornos graças à própria evolução da personalidade de cada um como fruto da sobrevivência e do meio em que se encontraram.
Juliano Cazarré e Julio Andrade são as duas forças motoras de toda este filme que não se concentra unicamente nas suas personagens. Enquanto Cazarré tem a evolução mais física desta longa-metragem graças não só à postura que o seu "Juliano" tem para com os seus inimigos como também por comprovar poder descer a caminhos bem mais conturbados e violentos, não é menos verdade que o caminho psicológico mais tortuoso é o de Andrade que mostra como o seu "Joaquim" consegue com o acelerado passar de tempo perder a consciência dos valores que anteriormente defendia e esquecer, ainda que momentaneamente, aqueles que deixou para trás e pelos quais jurou lutar por uma vida melhor.
Mas há ainda que destacar a sombria e realmente assustadora interpretação de Wagner Moura enquanto "Lindo Rico", o homem que calmamente começa a conquistar todos os terrenos onde escavar à procura de ouro e que é capaz de com a maior calma e serenidade cometer os actos mais bárbaros sem alterar o seu timbre de voz... quando o altera percebemos que algo grave irá acontecer. Finalmente temos a presença de uma sedutora Sophie Charlotte enquanto "Tereza", a mulher que enfeitiça "Juliano" levando-o não só a ganhar novos inimigos como a desenvolver uma personalidade algo violenta para proteger aquilo que intitula como sendo sua "propriedade".
Serra Pelada é assim um interessante registo histórico e temporal de uma época conturbada da vida política e social do Brasil e de um local muito específico que sem leis nem regras sobreviveu pela imposição da lei do mais forte muito à semelhança daquilo que em tempos vimos nos western norte-americanos onde muitos chegavam mas poucos de lá saíam exactamente como eram nos seus primórdios e que, graças ao registo de algumas imagens de época nos ilustra um país e uma vida diferente longe dos luxos das grandes cidades onde a sobrevivência se regista não tanto pelo poder monetário de cada um mais sim pela capacidade que o indivíduo tinha em (re)agir em primeiro lugar.
.
.
"Joaquim: Ir atrás de um sonho é sempre mais fácil do que abrir mão dele."
.
8 /10
.
.

Sem comentários:

Enviar um comentário