sexta-feira, 11 de abril de 2014

Viva la Libertà (2013)

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Viva a Liberdade de Roberto Andò foi o filme da cerimónia de abertura da sétima edição da Festa do Cinema Italiano que se iniciou ontem no Cinema São Jorge, em Lisboa, num evento que quer celebrar a família mas que começou logo de imediato com uma tão actual mensagem de Miguel Honrado, Presidente da EGEAC que tutela o cinema, sobre a importância deste filme num momento em que a própria liberdade é ameaçada.
Dito isto, e com mais ânimo ganho para o início desta que é, para mim, uma das mais importantes e significativas mostras de cinema em Lisboa, centro-me na história vencedora do David da Academia Italiana de Cinema para Melhor Argumento, da autoria de Roberto Andò e Angelo Pasquini, sobre Enrico Oliveri (Toni Servillo), o secretário-geral do principal partido da oposição que se encontra em crise... Não só ele como um líder apagado e que todos esperam derrubar como o próprio partido incapaz de fazer frente aos desaires de uma maioria governativa que ainda assim se mostra vencedora de um futuro acto eleitoral.
Nma noite, depois de mais uma forte contestação, Oliveri decide deixar tudo para trás e desaparecer deixando o seu assistente Andrea Bottini (Valerio Mastandrea) e a sua mulher Anna (Michela Cescon) responsáveis por ocultar a sua fuga, tudo parece perdido. No entanto Anna revela que Oliveri tem um irmão gémeo que pode substitui-lo enquanto o tentam convencer a voltar.
Andrea parte em busca de Giovanni Ernani (Servillo), um genial filósofo que foi internado em jovem idade devido a uma depressão bipolar da qual tenta recuperar, e depois deste aceitar assumir a não tão difícil tarefa de "encarnar" o seu irmão, os discursos e as presenças públicas que efectua junto do seu eleitorado repletos de uma linguagem dispersa, poética mas efectivamente lúcida que chega aos corações da população e que parecem incendiar a opinião dos mesmos que vêem nele um novo redentor capaz de lhes conferir uma esperança perdida com o tempo, enquanto Oliveri se deleita com as memórias de um passado de jovem na companhia de Danielle (Valeria Bruni Tedeschi).
Seja em Itália onde as conturbações políticas são uma constante, seja neste Portugal incerto e onde reina a demagogia, Viva la Libertà é um filme exemplo e marcante sobre os dias trágicos que politica ou socialmente atravessamos. O premiado argumento de Andò e Pasquini tece um olhar mordaz e corrosivo sobre os diversos agentes políticos e a sua passividade quanto aos reais problemas pelos quais a população atravessa esquecendo que o seu compromisso para com esse mesmo povo foram "em tempos" celebrados mas pouco honrados. A apatia é generalizada e captada com precisão por esta dupla de argumentistas que não só nos relatam como os políticos deixaram de se preocupar com os reais problemas da sociedade, desde culturais, sociais ou mesmo económicos, bem como tecem um mordaz retrato da população que assiste impávida e quase apática à indiferença a que os políticos vetaram os seus problemas. Àparte de um pequeno e muito pontual retrato da crítica do político para com o político celebrado no momento do ataque a "Olivieri" no seu comício, Viva la Libertà centra-se sim na indiferença a que todos, sem excepção, chegaram como se de um apagão sobre aquilo que a todos interessa se tratasse.
Aqui apenas aparentam preocupar-se os políticos e, ainda assim, nem todos. Uns porque se cansaram do poder e da responsabilidade que lhe é conferido e outros porque simplesmente mantêm o poder pelo poder e sabem que pouco os poderá tirar de lá, excepto o voto popular vindo daqueles que, no entanto, parecem distantes e indiferentes em decidir pela mudança e por conferir um novo rumo às suas vidas... reina a apatia.
No entanto, como de génio e louco todos temos um pouco, nada melhor do que alguém que diga sem rodeios e meias palavras tudo aquilo que passa na cabeça do mais comum e vulgar dos cidadãos, aquele que vive e sente os problemas dia-a-dia e sabe que não os pode ignorar pois eles não desaparecem com um fechar de olhos, e conseguir assim criar uma identificação com o "outro", o cidadão que trabalha, paga as suas contas e ainda assim parece nunca ser respeitado na sua condição de verdadeiro fazedor de uma economia que apenas parece feita para beneficiar alguns. É aqui que a audiência desperta daquele distanciamento quase morto que manteve para com um discurso vago, sem calor e sem expectativas para as suas próprias vidas e vê naquele "louco" o homem que finalmente lhes confere esperança pela identificação dos seus reais problemas e por falar olhos nos olhos, não metaforicamente mas de facto encarando e personificando as questões do eleitorado como sendo suas.
Se por um lado nos encontramos perante um lírico s um sentimento de desejo e de ideias positivos para ultrapassar momentos difíceis, não é menos verdade que este tipo de discurso poderia facilmente ser considerado nada mais do que populismo negativo pronto a utilizar questões sensíveis em nome do próximo voto mas, no entanto é esta bipolaridade do político e do Homem que se encontra reflectida nos gémeos "Oliveri"/"Ernani" que nos revela o quão esquizofrénica pode realmente ser a política. Se por um lado são proferidas palavras que cativem a atenção do mais distraído, não é menos verdade que as mesmas são facilmente esquecidas quando obtido aquilo que delas se pretende, sendo este o principal factor que distancia cada vez mais o eleitorado do político e principalmente dos partidos que representam.
Toni Servillo é assumidamente o actor italiano do momento. Não só tem um conjunto de emblemáticos filmes na sua carreira como agarra com força todas as ricas personagens que encarna, e depois de este ano já ter conquistado o público, e a crítica, com o seu La Grande Bellezza, não é menos verdade que aqui ao interpretar o político "Oliveri" apagado e desinteressado bem como o seu génio e louco irmão gémeo "Ernani" revela que apenas um actor maior consegue no mesmo filme captar duas tão distintas e ricas personagens que nos motivam o primeiro por ser um homem apagado pela vivacidade do seu irmão e o segundo por se deixar consumir por aquilo que o demarca pela positiva de todos os demais... a sua efusiva loucura e a sua tristeza melancólica. Servillo é sem qualquer reserva um dos maiores actores do mundo.
Quanto às personagens secundárias, pois delas também reza este filme, há a destacar a participação de Mastandrea enquanto "Bottini", o fiel assistente de "Ernani" num desempenho que lhe valeu o David de Melhor Actor Secundário no ano passado, é competente na sua personagem de um homem que, também ele, perdeu toda a sua esperança num político outrora genial mas que agora demonstra ter perdido toda a sua fé e motivação e que apenas continua nesta profissão porque precisa, como todos os demais, pagar as suas contas e viver uma vida mais ou menos digna. Quase inexpressivo como um claro sinal da sua pouca fé, Mastandrea faz a parceria perfeita com os dois Servillo conseguindo, no entanto, brilhar graças à genial loucura de "Ernani". E é necessário ainda relembrar a participação de Bruni Tedeschi enquanto "Danielle", a mulher que uniu e separou os dois irmãos tendo durante toda a sua vida vivido uma secreta paixão por "Ernani", o homem que sempre a fez sentir viva e desejada.
Viva la Libertà é, tal como foi dito no início, um filme do momento... Da situação que vivemos e da intensa crise política que vivemos onde ninguém é capaz convictamente de apontar o nome de um homem político que marque pela (positiva) diferença deixando-nos a todos num marasmo e num limbo que ameaça a própria liberdade pelo vazio de poder que cria. Quando um povo não encontra identificação num político que o lidere, o que impede de um populista de alcançar o poder e lançar todos para um abismo?! É esta a brilhante mensagem daquele que é um dos filmes mais fortes do último tempo e que independentemente de ser italiano encontra uma semelhança assumida com tantos outros países e locais... Portugal incluído, obrigando-nos a pensar e questionar se aquilo que temos enquanto supostos líderes mais não são do que demagogos sem convicção que ameaçam a nossa própria existência pela anulação das nossas próprias convicções, ideais e principalmente, os nossos pensamentos.
Magnífico início da Festa do Cinema Italiano com este que é já um dos filmes mais fortes desta mostra, especialmente se pensarmos que chega a Lisboa numa altura em que nós próprios devemos celebrar a nossa revolta pela liberdade.
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"Giovanni Ernani: Un uomo politico non ha amici."
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10 / 10
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