quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Virados do Avesso (2014)

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Virados do Avesso de Edgar Pêra é a mais recente longa-metragem do realizador de O Barão - premiado aqui no CinEuphoria em 2012 - e um filme que estava assumidamente fora do habitual para aquilo que Pêra nos tem habitualmente entregue enquento realizador.
João (Diogo Morgado) acorda um dia ao lado de Carlos (Jorge Corrula). Esquecendo ser homossexual e que Carlos é o seu namorado, João procura todos os que mais de perto com ele privam desde a irmã Catarina (Marina Albuquerque) e o seu cunhado Ricardo (Nuno Melo), sem esquecer o seu editor Rui (Rui Neto), que lhe confirmam aquilo que ele nega.
Numa luta contra os factos e com a sua evidente amnésia, João entra numa espiral de frenética negação envolvendo-se com Isabel (Diana Monteiro), a escritora rival, para comprovar que afinal é um "ladies man".
Virados do Avesso que em tempos idos havia sido noticiado como uma obra a realizar por Nicolau Breyner tem subconscientemente muito mais marca identificativa do actor/realizador - como pode comprovar qualquer um que já tenha visto Contrato (2009), A Teia de Gelo (2012) ou 7 Pecados Rurais (2013) encontrando facilmente semelhanças - distanciando-se claramente daquilo a que qualquer espectador mais atento tem visto de Edgar Pêra. Passo a explicar... Não é segredo para ninguém que Pêra é um dos realizadores mais originais, criativos e arrisco dizer irreverentes do nosso país - e ainda bem - e por si falam obras como A Janela (Maryalva Mix) (2001), 88 (2002), Cinesapiens (2013) ou o já referido O Barão (2011) possivelmente a sua obra maior (à data). Aliás, toda a sua filmografia da qual estes são os exemplos mais presentes e talvez significativos, denotam essa irreverência não só pelas suas histórias como principalmente pela forma pouco convencional e libertária com que as filma assim como às excêntricas personagens a que os seus actores dão corpo e principalmente aquilo que tantas vezes falta... uma alma.
Transgressores, individualistas no sentido de cada um se demarcar dos demais tendo todos eles o seu espaço próprio, excêntricos pela capacidade que têm de se afirmar para lá do "outro" e donos de uma vida para lá da própria vida, qualquer personagem de um filme de Pêra é, por si só, uma obra de arte que o espectador pode contemplar e perceber mesmo que essa excentricidade seja, no dito "mundo real" algo difícil de conceber. Em Virados do Avesso essa genuinidade não existe.
Que se lixem os lugares comuns - é um facto - mas aqui é o que mais temos durante a hora e meia de duração deste filme. Desde os maneirismos atribuídos a qualquer pré-conceito passando pelo complexo de macho latino, Virados do Avesso não esquece a mulher-objecto (Melânia Gomes numa clara repetição de 7 Pecados Rurais - percebem onde quero chegar?) retirando pouco - muito pouco - não só do argumento - da autoria de Henrique Cardoso Dias, Roberto Pereira e Frederico Pombares - como principalmente de uma suposta linha condutora que permitisse ao espectador encontrar alguma empatia com essa história ou com as suas personagens que aos poucos vão dando ar de sua (escassa) graça. Destas personagens apenas se conseguem destacar momentos positivos de um sempre hilariante Nuno Melo que, ainda assim, tem personagem de onde poderia ser retirado muito mais numa história que o secundariza forçosamente, um Miguel Borges que com o seu "Vítor" dá corpo não só ao macho latino desejoso de ir à "caça" como faz marcar a presença do pintas que fala mais do que aquilo que "come", e finalmente um muito pouco aproveitado, mas talvez aquele que mais se aproxima do universo Pêra, barman "Alcides" (Rui Unas) que parece acabado de sair de um espaço paralelo ainda incompreensível.
Momento após momento parece que celebramos um conjunto de sketches pouco trabalhados e que parecem ter sido criados no mesmo espaço (sou só eu ou mais alguém achou aqueles apartamentos... iguais? Aliás, deve ser por isso que em cada suposto apartamento só vemos uma divisão), feitos como experiência para algo maior e mais elaborado mas que aqui apenas conseguem exacerbar o ridículo, os pré-conceitos estabelecidos de uma sociedade que se consome entre etiquetas e rótulos esquecendo que existe uma vida para lá do "socialmente aceite" no universo das tabuletas identificativas. Pêra talvez se esteja a rir daquilo que entregou ao espectador; não do que fez mas da forma como nos - a todos - retrata, confrontando-nos com o absurdo das nossas existências demarcadas pelos tais rótulos, pelos objectivos (ou falta deles...) de momento e pela leviandade como encaramos o mérito alheio - e também a própria vida - que tentamos aproveitar, desdenhar ou escarnecer.
Virados do Avesso talvez seja isso... um "exercício" da e sobre a portugalidade, sobre os momentos que criamos mas, ainda assim - e com a excepção da devida nota de referência à direcção de fotografia de Miguel Sales Lopes que essa sim nos aproxima do universo Pêra - está longe de poder ser equiparado a qualquer outra obra do realizador estando, todas elas, muitos níveis acima pela sua originalidade, irreverência e notório cunho pessoal. Virados do Avesso é uma passagem e, como tantas outras, facilmente esquecida. Pêra é mais... muito mais.
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4 / 10
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