segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Still Alice (2014)

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O Meu Nome é Alice de Richard Glatzer e Wash Westmoreland é a mais recente longa-metragem de Julianne Moore e aquela pela qual parece ter o melhor percurso para receber a nomeação a Oscar de Melhor Actriz como, finalmente, poder sair vencedora da mesma.
Alice Howland (Moore) é uma professora de linguística de renome, casada e mãe de três filhos. Com uma vida aparentemente normal, Alice começa a notar pequenas diferenças na sua rotina diária que assumem a forma de pequenos esquecimentos, palavras que não surgem na sua mente ou pequenos fragmentos de tempo em que não consegue perceber onde se encontra.
Depois de consultar o médico e de lhe ser diagnosticada uma fase precoce da doença de Alzheimer, Alice vê toda a sua vida ganhar todo um novo sentido ao mesmo tempo que tenta aproveitar os últimos instantes em que de forma lúcida e coerente pode passar junto daqueles que ama.
Baseado no romance de Lisa Genova, a dupla Glatzer e Westmoreland escrevem o argumento desta longa-metragem que para lá de uma simples abordagem à doença levam a história a centrar-se na pessoa, nas suas perdas de memórias e de espaço mas principalmente na perda de afectos que lhe estão, infelizmente, inerentes. Aquele que é talvez o momento mais significativo desta perda de afectos é aquele que é retratado aquando da visita de "Alice" a uma peça interpretada pela sua filha e que, no final, não a reconhece enquanto tal agindo como se estivesse na presença de uma estranha. Independentemente de toda a viagem aos momentos que se perdem e às situações das quais se esquece, Still Alice tem neste pequeno mas arrepiante segmento aquele que melhor perspectiva dá ao espectador da verdadeira degradação da mente que daqueles que padecem de Alzheimer.
Mas Still Alice é ainda mais... É um filme sim sobre a degradação a que chega a mente daqueles que a perdem mas principalmente um sobre todo aquele processo em que lentamente se tentam aproveitar todos os pequenos momentos diários - que se tornam grandes pelos contributos de felicidade que conferem às vítimas - em que se celebram alegrias que podem eventualmente nunca mais ser vividas. Momentos em que as pessoas, as recordações e memórias e os espaços conferem a todos um momento - que pode ser o último - de que tudo está numa aparente normalidade como se nada ao seu redor estivesse a ocorrer.
Sem esquecer as consequências para a família - filhos e marido neste caso concreto - Still Alice é uma viagem repleta de momentos que comprovam que o amor sai sempre vencedor nem que seja por breves momentos em que se sente expressado. Momentos como aqueles que se partilham pequenos retratos de uma infância já ida, aqueles que se partilham com a família, onde se revisitam os espaços nos quais se foi feliz ou até mesmo aqueles em que se triunfou profissionalmente. No entanto, são também estes últimos que marcam uma das maiores perdas de "Alice". Como se sentirá uma mulher cuja vida foi feita a celebrar, estudar e documentar a língua e a linguística e que agora esquece palavras - muitas das quais francamente elementares - que podem descrever coisas tão básicas como um estado de espírito? No fundo, e remetendo directamente para o título desta longa-metragem, continuará a existir "Alice" quando já nada que a caracterizou continua a ser manifestado, sentido ou observado? O que será ela para lá do silêncio e do esquecimento que se apoderam da sua mente? São, no entanto, os pequenos gestos que manifesta para com aqueles com quem priva que representam toda a sua entrega e dedicação e, ao mesmo tempo, pequenas despedidas que confirmam que o "amanhã" poderá já não existir tal como o "hoje" e que são aqui claramente comparados à efémera vida das borboletas que enquanto tal só vivem três dias.
Mas, um dos momentos de maior clímax neste filme surgem quando "Alice" grava um vídeo no computador pessoal para ela própria estabelecendo um limite - o seu - para terminar a sua vida. Quando não conseguir responder a um conjunto de perguntas que considera básicas esse será - para ela - o seu fim... Mas, o que acontece quando já num estado avançado de Alzheimer não consegue compreender ou memorizar a mensagem que ela própria gravou para si? Conseguirá levar o seu plano até ao final ou, por sua vez, limitar-se-à a uma qualquer forma de existência presa dentro dos seus próprios pensamentos - ou falta deles - que não conseguirá compreender, exteriorizar ou representar?
No então, Still Alice não é apenas um filme sobre a perda. Aliás, poderei até dizer que Still Alice é um filme no qual a perda existe sim mas que representa uma pequena parte da sua mensagem principal. Depois de observarmos com devida atenção a esta longa-metragem e seguirmos todos os seus passos, percebemos que existe sim uma ideia presente deste o primeiro instante... Quer seja representado através da dedicação de "Alice" à sua profissão que, de certa forma, caracterizam uma parte inquestionável do seu ser ou até da forma dedicada com que toda a família a acompanha, e até nas memórias recorrentes sobre a sua infância que ainda consegue reter, Still Alice é sempre acompanhada por uma constante e vincada mensagem de amor. A dedicação são um seu fruto... a proximidade que esta família tem vão, obrigatoriamente, directos do intenso amor que nutrem entre si e a preocupação existente entre o agora e o depois onde já nem as memórias restam sobre aquilo que em tempo "Alice" foi são a prova maior de que é por amor que todos, de uma ou outra forma, pretendem recordar os instantes que partilharam.
De Julianne Moore é impossível dizer algo mais para lá da sua mestria enquanto "dona" de uma vasta quantidade de emoções e sentimentos transmitidos apenas através do seu olhar. Várias são as obras que poderia enumerar onde com pouco mais do que a sua expressão facial são transmitidos mil sentimentos, emoções e principalmente reflexos de um desespero vivido silenciosamente. De olhar triste e distante - em cena - mas vivo e próximo do espectador, Moore entrega-se de corpo e alma à representação de uma vida que se lhe escapa de forma descontrolada sem que consiga reter dela algo que a caracteriza e que fala "prender" ao mundo à sua volta que (des)conhece. Numa interpretação que certamente lhe irá garantir a nomeação a Oscar - mais não seja pelo forte indicador de já ter recebido grande parte dos troféus da crítica especializada - e muito possivelmente constitui a sua mais forte hipótese de finalmente o vencer, Moore confirma ser uma grande mestre do cinema e uma força segura capaz de olhar o espectador nos olhos.
Temos ainda um Alec Baldwin que reforça a sua condição de excelente secundário e uma agradável surpresa com a intensa interpretação de Kristen Stewart como "Lydia", a filha mais nova e rebelde de "Alice", mas também aquela que com ela estabelece uma forte ligação num momento em que ambas percebem ser da sua despedida.
Ainda que Still Alice não seja aquele filme pelo qual Julianne Moore será recordada como o seu mais significativo num futuro, é inquestionável a sua condição suprema enquanto um filme emotivo no qual entrega uma das suas mais fortes interpretações e também aquele que aborda de frente sem subterfúgios uma doença tida e vivida num silêncio de angústia e culpa - tida através de todo o processo de esquecimento pelo qual a vítima atravessa - mas que se celebra num ritmo de ternura e amor entre as personagens - sempre reais - e que aqui ganham um rosto marcando assim a sua existência. Um filme que não se deverá perder.
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"Dr. Alice Howland: (...) The poet Elizabeth Bishoponce wrote: 'the Art of Losing isn't hard to master: so many things seem filled with the intent to be lost that their loss is no disaster.' I'm not a poet, I am a person living with Early Onset Alzheimer's, and as that person I find myself learning the art of losing every day. Losing my bearings, losing objects, losing sleep, but mostly losing memories..."
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9 / 10
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