segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

A Perfect Day (2015)

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Um Dia Perfeito de Fernando León de Aranoa é uma longa-metragem espanhola vencedora do Goya de Melhor Argumento Adaptado - também da autoria de León de Aranoa - com a interpretação de actores como Benicio Del Toro, Tim Robbins, Olga Kurylenko e Mélanie Thierry.
Balcãs 1995. Mambrú (Del Toro), B (Robbins) e Sophie (Thierry) fazem parte do grupo de ajuda humanitária que após o conflito que dividiu a Jugoslávia tenta resolver alguns dos problemas do território devolvendo-lhe alguma "normalidade" dentro dos limites do possível.
Quando num poço aparece o corpo de um homem, os três tentam encontram uma solução para o remover e, pequenos problemas aos quais não prestariam atenção noutras condições ou noutros territórios ganham agora uma dimensão que os aproxima do impossível ao mesmo tempo que se aproximam de Nikola (Eldar Residovic), um jovem que espera pela companhia dos seus pais.
Fernando León de Aranoa que dirigiu histórias como Barrio (1998), Los Lunes al Sol (2002) ou Princesas (2005) volta a pegar na mão do espectador levando-o, uma vez mais, para factos que, mais ou menos ficcionados, representam momentos de crise social na História contemporânea. De vidas sem esperança em Barrio e Princesas às vidas com um futuro comprometido de Los Lunes al Sol, León de Aranoa aqui apresenta a esquizofrenia de um conflito avassalador que ultrapassou os limites do imaginado colocando todos aqueles que o atravessaram numa sentida incerteza sobre o espaço que os viu nascer, o então presente de uma realidade à qual pareciam distantes e incertos de um futuro que tardaria a chegar.
Em A Perfect Day o espectador começa por conhecer este conjunto de funcionários de organizações humanitárias que confiantes no seu trabalho de apoio no terreno percebem - aliás, compreendem - as suas ilimitadas limitações enquanto outros confiantes num futuro melhor começam, também eles, a compreender que nem tudo é tão simples num pós-conflito e mesmo as boas intenções estão rodeadas de um sem fim de entraves que os colhem nas suas esperanças e momentos de positividade que são rapidamente eclipsados pela dura realidade. A relação entre as personagens interpretadas por Del Toro e Robbins mais experientes no terreno e que encaram o momento com uma estranha energia que os impede de cair no buraco sem fundo que a Bósnia do pós-guerra representava, apenas encontra os seus antípodas na positividade de uma sonhadora "Sophie" de Mélanie Thierry cuja jovem idade e anos de inexperiência inocentemente lhe conferem. O contraste inicial entre os três rapidamente se dissipa com o respeito dos dois primeiros para com o idealismo de uma jovem que espera e quer fazer a mudança, e a compreensão desta última de que tem muito que aprender com os seus parceiros cuja experiência será a verdadeira mestre de toda esta sua passagem por aquele território.
Se a dinâmica dos três encontra lentamente um ponto em comum permitindo-lhes não só cooperar como respeitarem-se, não é menos verdade que o território bósnio os consome mais rapidamente do que aquilo que imaginariam... O principal elemento desse factor é a simples incapacidade de pensar para onde regressar quando já se sentem tão "habituados" àquele território desolado onde o negro das cinzas e das explosões se embaraça no próprio território natural que parece incapaz de renascer após o conflito. De vegetação escassa e de uma rudeza visível, a Bósnia é uma área que (in)desejadamente se tornou parte deles tornando estranha ou quase irreal a ideia de "voltar para onde?" quando aquela é agora a sua casa... Ainda a confirmar esta sensação de que aos poucos eles são mais pequenos do que o espaço ou do que aquilo que as suas acções podem concretizar estão todos aqueles pequenos detalhes que ganham forma como as vinganças que se desenham, as famílias destroçadas que não encontram ponto de reunião como é o caso do pequeno "Nikola" desconhecer do verdadeiro destino dos seus pais e por quem o grupo ganha uma inesperada empatia e amizade.
A complementar esta sensação de incapacidade operatória está também a sabotagem das pequenas grandes acções diárias que se vêem incapacitados de cumprir que vão desde a libertação de um poço de água que possa satisfazer as necessidades das populações locais ou até mesmo as sucessivas ordens e leis que têm de respeitar pela transição de jurisdição que chega sem qualquer conhecimento. É quando todas as tarefas que se cumprem surgem inesperadamente bloqueadas que a sensação de impotência sentida ganha todo um novo contorno... avassalador e desgastante. A vontade de uma justiça que se desconhece ou mesmo que não lhes compete ganha forma e "corpo" deixando-os num limbo e numa incerteza sobre qual será a sua verdadeira importância num território que... não os deixa cumprir a sua missão.
Num terreno ao qual se lhes opões aqueles para quem trabalham como os nativos que ainda vivem num momento de transição onde justiça e vingança se mesclam ao ponto de não conseguirem distinguir qual é qual, A Perfect Day regista assim um instante de uma lúcida esquizofrenia onde uns vivem pelo idealismo, outros pela realidade do momento, outros ainda pelo distanciamento que criam para com aquilo com que vivem diariamente e finalmente outros que se deixam viver lado a lado com as limitações incessantes de um país devastado por uma guerra fraticida. León de Aranoa, justo vencedor do Goya de Argumento Adaptado, cria então um filme que filma as relações entre os homens - principalmente aqueles externos ao próprio espaço - vivendo, no entanto, para lá do mesmo como que desejando que o espectador observe essa mesma esquizofrenia tendo com fim último uma única mensagem... haverá algum sentido numa guerra?
Ainda que Benicio Del Toro detenha o protagonismo em A Perfect Day como o seu "Mambrú", um homem desgastado pela vivência num cenário abalado pelo conflito e incapaz de manter as suas relações sentimentais de pé, e para lá das simpáticas presenças de Olga Kurylenko (quase uma participação especial) e de Mélanie Thierry como uma sonhadora e idealista convicta dos seus desejos é, no entanto, Tim Robbins que com o seu "B" - interpretação nomeada ao Goya de Actor Secundário - cria a perspectiva mais "humana" de um conflito graças a momentos mais ligeiros onde se percebe que encarna aquele homem que apenas resiste por se distanciar de toda a loucura com que se cruza. Destaque ainda para Fedja Stukan como "Damir", o fiel intérprete que acompanha o grupo e para a jovem revelação - e agradável surpresa - que é Eldar Residovic que com o seu "Nikola" consegue incutir ao ambiente a humanidade que lhe falta.
Abrilhantado com uma direcção de fotografia de Alex Catalán que consegue conferir a desejada desumanização do espaço ao evitar qualquer tonalidade mais forte e expressiva, A Perfect Day é uma não tão simples mensagem sobre a decadência e degradação do Homem... durante e pós conflito... no qual se conhecem as verdadeiras facetas de todos aqueles que em tempos foram considerados vizinhos e irmãos.
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8 / 10
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