domingo, 20 de novembro de 2016

Refrigerantes e Canções de Amor (2016)

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Refrigerantes e Canções de Amor de Luís Galvão Teles é uma longa-metragem portuguesa e um dos filmes na Selecção Oficial - Em Competição da XXII edição do Caminhos do Cinema Português que decorre até ao próximo dia 26 de Novembro, em Coimbra.
Lucas (Ivo Canelas) e Pedro (João Tempera) foram uma dupla musical de sucesso que tentam agora sobreviver com carreiras a solo. Enquanto Pedro parece continuar na ribalta, Lucas fica sem um contrato milionário, sem a namorada Carla (Lúcia Moniz), à beira de uma depressão e com Jorge Palma como um amigo imaginário... até que conhece uma misteriosa Dinossaura Cor-de-Rosa (Victória Guerra) por quem se apaixona.
Depois de ainda este ano ter estreado Gelo - com Ivana Baquero, José Afonso Pimentel e Albano Jerónimo - Luís Galvão Teles faz estrear este Refrigerantes e Canções de Amor baseado num argumento de Nuno Markl naquela que é uma simpática e muito divertida história de amor e onde reside uma certa nostalgia dos áureos anos 80 tão implicitamente presentes ao longo desta narrativa.
De um passado cheio de glórias partilhadas com aquele que fora o seu melhor amigo, o "Lucas" de Ivo Canelas é um tipo desesperado por uma sucessão de acontecimentos em que se sente a perder o chão para o mesmo, vendo no "Pedro" de João Tempera um rival que levou tudo aquilo que ele merece ter. Da perda do duo de sucesso à estagnação de uma carreira musical sem esquecer a namorada que o abandona... para o outro, "Lucas" acaba por ser aquele tipo excêntrico e desajeitado que oscila entre o início de uma depressão e uma vontade extrema de ser o anti-social de serviço a quem nada parece ir correr bem.
É a partir desta perspectiva que o argumento de Markl se desenvolve, ou seja, inicialmente revelando a queda de um mito, a sucessiva espiral de acontecimentos que o fazem perder o rumo e finalmente encontrá-lo num qualquer supermercado de bairro que em tudo parece ser o refúgio dos desajustados que procuram desaparecer dos olhares mais mediáticos de uma sociedade opressora. Aquele supermercado é, afinal, o último bastião de um conjunto de sobreviventes e ainda a sala de estar de toda uma vida "selvagem" naquele que pode ser chamado de um micro-mostruário da dita selva urbana. Mas que sobreviventes são estes?! Refrigerantes e Canções de Amor responde a esta questão com uma simbologia que se prende com as evidentes referências dos anos 80 - presentes em elementos como as "bombocas" e os "PEZ" -, com os últimos românticos perdidos nessas mesmas referências e com um certo elemento místico / mágico da mesma expresso pela música que se assume como uma personagem imprescindível da década, desta história e dos seus intervenientes.
Esta história e esta atmosfera saudosista - inocente e de certa forma pueril - acaba por ser um dos principais elementos de um filme que cativa por essa mesma simplicidade, pela forma em que é contada através de uma comédia desarmante e com a esperança de que, no final, o amor conquiste e vença. Mas, falar de Refrigerantes e Canções de Amor sem referir aquele que é o seu principal elemento (a música) seria subestimar uma história e um sentimento que até um Jorge Palma supostamente imaginado esclarece... há alguma canção que não seja sobre amor?! Palma, juntamente com Sérgio Godinho, João Tempera e Filipe Raposo (o responsável pela música original), criam uma dinâmica única - até à data - num filme português. Não é apenas o argumento que conta uma história mas sim as músicas para aqui recriadas que adensam a atmosfera - principalmente romântica e saudosista - das suas personagens, dos seus tempos bem passados e de uma certa melancolia sobre esses tempos idos que agora mais não são de que uma bonita memória. Mas também de um desejo... Do desejo de um futuro pleno, a dois, com um amor partilhado e vivido, com alguém que (o - "Lucas") compreenda e que possa "justificar" toda uma existência onde a sua procura - do amor - foi uma constante.
Refrigerantes e Canções de Amor é assim uma celebração da amizade, do amor, das cumplicidades, dos anos 80, da música, dos eternos românticos e até dos velhos marialvas aqui interpretados, de forma genial acrescente-se, por dois magníficos... Jorge Palma e Sérgio Godinho que, com duas interpretações especiais conseguem, muito facilmente, conquistar os seus momentos, as suas deixas e principalmente o público, transformando-se em dois compinchas que todos acarinham e dos quais, em boa medida, até se aceitariam conselhos sobre a vida... e sobre a morte.
Se de uma comédia romântica pouco se pode esperar para lá do óbvio - quão errados podemos estar quando assim o pensamos - Refrigerantes e Canções de Amor comprova que as (boas) surpresas por vezes acontecem. Aqui temos não só a capacidade de presenciar uma história divertida e bem disposta como também uma em que o espectador se aproxima de um cinema ligeiro, assumidamente comercial mas sem vergonha de o ser porque a sua qualidade evidente transmite o profissionalismo e intensidade - que uma comédia também tem (e deve) - de personagens com conteúdo e uma história e que, apesar de relativamente estereotipada, se distancia dos lugares comuns e entrega alma a estas personagens que procuram a sua "gémea".
Ivo Canelas num simpático e bastante divertido registo de comédia que me faz recordar os idos anos 90 onde deu uma alma ao "Joca" de Fura-Vidas (1999), conquista o espectador com o seu semi-depressivo semi-entusiasmado "Lucas" que, para lá de procurar o amor da sua vida procura também o seu "eu" perdido... a alma que deixou escapar quando os tempos difíceis apertaram e onde viu perder as suas bases sentimentais e de amizade e que encontra um refúgio num supermercado que parece um santuário para as almas perdidas, também elas em busca do seu amor... nem sempre da melhor forma...
Lúcia Moniz como "Carla"... a agente e ex-namorada de "Lucas" e actual de "Pedro", João Tempera como "Pedro" o músico desesperado por uma fama que julga só chegar depois da morte e Victória Guerra como a "Dinossaura Cor-de-Rosa/Susana" escondida do mundo por um desgosto de amor completam o elenco de apoio a Canelas desempenhando, cada um deles, um dos seus alicerces desde o amigo e um amor do passado passando pela promessa de um futuro romântico desempenhando e dando alma, cada um deles, a personagens que procuram o seu próprio destino formam este simpático, improvável  bem humorado conjunto que nos cativam pela sua verve e alegram pelo seu humor.
Mas, será impossível passar por Refrigerantes e Canções de Amor sem mencionar a interpretação - enquanto ele próprio - de Jorge Palma como a musa inspiradora/amigo imaginário de um "Lucas" perdido que cativa - e agarra - pelos seus momentos transformando-se num dos mais importantes desempenhos secundários deste filme e ao qual se juntam um "tenebroso" Sérgio Godinho como o mafioso "Navalhas" (mas só de apelido) e todo um conjunto de secundários de peso entre os quais se destacam Luísa Cruz, Ruy de Carvalho como "Anísio" o dono do supermercado, André Nunes como o filho deste último, Marco Delgado, Gregório Duvivier, Mariema, Luís Lucas, Jacqueline Corado, Margarida Moreira e Marina Albuquerque.
Ligeiro, inteligente, agradável, fresco e com muito e bem pensado humor, Luís Galvão Teles revela, uma vez mais, mestria na condução de uma história e na direcção dos seus actores escolhidos com garra e muita alma. Refrigerantes e Canções de Amor revela ainda um dos mais emblemáticos finais cinematográficos muito ao estilo de uma inspirada Bollywood, transpira um companheirismo e descontracção inerentes ao ambiente no seu todo, e transforma a já referida música numa das suas personagens principais com a entrega de diversos temas originais para a longa-metragem - nomeações garantidas aos Sophia - dando aos protagonistas a raíz do seu trabalho e recuperando muitos músicos para a trama - dos já referidos Palma e Godinho ao novato David Carreira - deixando, no final, o espectador com uma confortável sensação de ter visto um bom filme, pouco comum na cinematografia portuguesa e o motor para uma reconciliação do espectador não só com o seu cinema como também desmistifica a ideia de que "cinema comercial" não tem qualidade.
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8 / 10
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