sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Jackie (2016)

.
Jackie de Pablo Larraín é uma longa-metragem em co-produção norte-americana, chilena e francesa centrado na figura de Jackie Kennedy.
Nos dias que se seguiram ao assassinato do Presidente John Kennedy, Jackie (Natalie Portman) é uma mulher que se debate com o desgosto e o luto. Nestes dias intensos em que se sente perdida, Jackie relembra em tom de entrevista controlada com um jornalista (Billy Crudup), a forma como teve de consolar os seus filhos, reencontrar o seu próprio rumo e sobretudo debater-se com o papel e o legado do seu marido e Presidente na História contemporânea dos Estados Unidos.
Um dos três grandes títulos apresentados pelo realizador chileno - juntamente com El Club e Neruda - Jackie é um breve mas determinante olhar sobre uma personagem mítica e que gera um intenso fascínio não só na sua época como décadas depois onde mantém o estatuto de uma das Primeiras Damas norte-americanas com maior impacto na sociedade. No fundo, Jackie Kennedy é, ainda hoje, como que uma referência própria a seguir... aquela Primeira Dama que deixou nome - e estatuto - ao "trabalho" que exerce a mulher dos Presidente dos Estados Unidos.
Uma impulsionadora do legado histórico não só da Casa Branca como do património cultural até então tantas vezes desprezado pela mesma, "Jackie" é aqui revista não só como a mulher do Presidente mas também alguém com o profundo desejo de recuperar a história dentro da História do edifício que habitava conferindo-lhe, e aos seus pertences, a dignidade perdida ao longo das décadas. Centrada agora nas suas memórias e tentando desesperadamente encontrar o seu lugar num mundo que agora vive sem marido e sem a Presidência do país, "Jackie" é então uma mulher amargurada e revoltada com o sentimento de perda, de inadaptação e afastada de uma realidade que outrora conhecera e que agora já não é parte do seu mundo.
Com breves descrições que enquadram o passado desta mulher que chegou à Casa Branca como a terceira mais nova de sempre, o argumento de Noah Oppenheim centra-se então nos momentos imediatos ao assassinato do Presidente e num misto de perda e revolta sentido pela sua mulher que lida não só com a saída daquela que era a sua casa como também na sua luta para dar à memória de "John" o funeral de Estado que ele merecia e, finalmente, num "agora" temporal onde depois do mesmo funeral, "Jackie" se sente perdida na sua fé, nas crenças e numa tentativa desesperada de se encontrar num mundo onde agora tem de se afirmar enquanto indivíduo e não como mulher de um Presidente.
Natalie Portman destaca-se de imediato neste filme - não esquecendo a óbvia mão de Larraín enquanto criador facilmente detectável se nos recordarmos de obras com as quais estabelece semelhanças nomeadamente Tony Manero (2008), No (2012) ou até mesmo do já referido El Club (2015) -, com a sua primeira grande interpretação pós Black Swan (2010) - afinal é graças a ela que queremos vê-lo de imediato - como uma mulher inicialmente vulnerável como a vemos nos segmentos em que apresenta a Casa Branca ao grande público e posteriormente com uma força, ainda que contida, mas desarmante pela (sua) afirmação como uma mulher farta de normas pré-estabelecidas que lhe foram impostas graças ao seu "trabalho" anterior. Se "Jackie" é (era) uma mulher perdida no pequeno mundo da política norte-americana onde apenas servia como referência e modelo a seguir para as mulheres, agora era ela própria uma força a ter em conta pelo seu papel determinante no reconhecimento da História, do espaço, nos acontecimentos dramáticos que marcaram a década de 60 mas que, ainda assim, se encontrava perdida num (seu) mundo ainda pouco preparado para a ver como algo mais que não a referida Primeira Dama.
E se a referida e identificável mão de Larraín criam toda uma atmosfera biográfica dramatizada que levam o espectador a uma viagem próxima da observação presente quer ausente através do olhar/pensamento da Primeira Dama, é também a primazia de uma direcção de fotografia de Stéphane Fontaine que nos transportam para esta dinâmica que se encontra, de certa forma, perdida levando-(n)os a uma viagem próxima de um espaço etéreo que (n)os aproxima da sua dor, da sua perda e principalmente da atmosfera sentimental que "Jackie" sentia enquanto mulher não anónima enquanto figura mas sendo-o enquanto indivíduo que se procura enquanto tal, ambiente este que é apimentado com a subtilmente magistral orquestração de Mica Levi - um potencial Oscar de Jackie afinal todos nos recordamos de Under the Skin (2013) - que confere esta exacta dicotomia da perda de posição versus indivíduo.
No final, e mantendo todas as dúvidas e incertezas possíveis, o espectador continuará a questionar-se sobre quem seria afinal Jacqueline "Jackie" Kennedy... Mulher de um Presidente? Alguém realmente convicta das suas responsabilidades sociais para com a preservação da História? Simplesmente uma mulher que teve de se ocupar de um "cargo" não remunerado para justificar a sua presença na Casa Branca ou, por sua vez - e recorrendo ao lugar comum -, a grande mulher por detrás de um igualmente grande homem?! Nesse mesmo final subsiste para lá dessas normais dúvidas uma aparente certeza... a de uma mulher perdida entre fama, imagem, deveres e obrigações sociais que, no entanto, luta interiormente por encontrar o seu próprio "eu"... Aquele "alguém" que a definia muito para lá das obrigações enquanto mulher da figura mais importante do Estado e que, como tal, acaba por se diluir no seu papel livre de responsabilidades e interesses próprios... Poderá (poderia) esta mulher encontrar o seu próprio espaço pessoal - teremos enquanto espectadores, de esquecer tudo o que poderíamos eventualmente conhecer a seu respeito e limitarmos o nosso conhecimento ao apresentado em Jackie -, libertando-se dessa forma de todo o aparato a que estava anteriormente associada ou continuará a ser um vulto perdido no meio de um turbilhão social?
Com uma mais que provável nomeação de Natalie Portman aos Oscars - e certamente não será a única - Jackie ficará na memória pela curiosidade que o espectador pode manter sobre esta figura mediática e mediatizada da segunda metade do século passado, pela brilhante interpretação de Portman e pela excelência na composição técnica não sendo, no entanto, aquele filme memorável para a posteridade... ao contrário de Jacqueline Kennedy... Onassis.
.

.
8 / 10
.

Sem comentários:

Enviar um comentário