sábado, 11 de fevereiro de 2017

La Mort de Louis XIV (2016)

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A Morte de Louis XIV de Albert Serra é uma longa-metragem de co-produção franco-luso-espanhola que retrata os dias agonizantes do Rei-Sol que morre lentamente no seu quarto rodeado dos seus mais leais conselheiros.
Depois de Honor de Cavalleria (2006), El Cant dels Ocells (2008) ou do mais recente Història de la Meva Mort (2013), o realizador Albert Serra regressa com este La Mort de Louis XIV que não é só um retrato intencional de uma das mais emblemáticas figuras da Monarquia Europeia mas também um complemento da sua influência na História elaborado naqueles que são os seus últimos dias. Albert Serra, e o seu argumento escrito em parceria com Thierry Lounas, retratam o homem por detrás dos corredores da política (inter)nacional e, no fundo, a sua lenta e compreendida queda face a uma súbita e inesperada doença que - sabe - ser o princípio do seu fim. "Louis XIV" é aqui um homem rendido a uma inevitabilidade. Preso a uma imagem do que fora que não cede ou perde, mas que compreende ser apenas uma vã imagem desse seu glorioso passado ou encantou não só os corredores de Versailles como principalmente aqueles do mundo centrado em Paris. Ele fora não só o sol como a própria Paris e mesmo a França gloriosa. Da imagem dessa glória, o rei agora mantém-se preso a uma cama que, lentamente, funciona como o seu último leito... a sua campa adornada que assiste - tal como tudo e todos ao seu redor - ao seu fim. Se à sua volta todos aparentam (des)esperar pela sua presença, pela sua graciosidade ou mesmo um sorriso de complacência e de aprovação do rei, é também certo que todos (mais ou menos discretamente) compreendem que "Louis XIV" jamais será o esplendor palaciano que fora em tempos. Todos tentam remediar a ideia de que estão a assistir aos últimos instantes do rei, obedecendo aos seus parcos desejos ou mesmo cedendo a uma aparente imagem de normalidade que - compreendem - ser apenas figurativa.
Se o espectador é brindado com esta imagem decadente do rei, não é menos verdade que lhe ressaltam à memória todos aqueles pequenos contos e acontecimentos históricos que em tempos aprendera, e que agora testemunha - ainda que numa escala reduzida - a partir daquele quarto. Ali, percebemos, é o centro de um país que "espera" sem saber. É o centro de uma mudança (in)esperada e da devoção e dedicação de todo um elenco governativo que agora se prepara para chorar o seu rei. Longe da folia das festas palacianas, das intrigas dos seus corredores ou mesmo dos (des)amores que os mesmos assistiram, agora o espectador é brindado sim mas, no entanto, com o fim de um vulto maior da História Francesa e Europeia. Não temos brilhantes, não temos convulsões nem tão pouco o tal esplendor que se "espera" da vida de um rei. Não, aqui o espectador tem sim o apagar dessa chama... tem o lento definhar desse vulto maior e o lamento daqueles que com ele lidaram de perto. O mundo sim avança... mas de forma estática. Não o chora nem tão pouco sabe da sua existência... mas tudo continua numa transformação que ninguém controla. Aqui assistimos, dito de outra forma, à lenta mortalidade de uma figura tida, em tempos, como imortal... O Rei Sol que, afinal, também se apaga mas que observa tudo em seu redor como que numa lenta e exasperante despedida do mundo glorioso que construiu e conheceu. E se em tempos o tomámos como grandioso e eterno, os instantes finais mostram-no apenas como mais um potencial anónimo entre todos os demais... afinal, distingue o leito da morte algum de nós independentemente da sua condição social e financeira?
Dotado de uma impressionante reconstituição histórica a nível técnico onde de destacam pela extrema qualidade o direcção artística, de caracterização e guarda-roupa, La Mort de Louis XIV não é o filme esperado sobre esses corredores palacianos... nem poderia ser se o espectador se recordar da obra passada do realizador Albert Serra. No entanto, esta longa-metragem encontra-se sim nos seus esperados antípodas na medida em que revela ao espectador o outro lado dessa magnificência. Encontramos sim o rei... mas não na sua brilhante posição enquanto tal. Encontra-mo-lo enquanto um homem à espera do seu próprio fim. Um homem a quem, apesar da sua condição, todos continuam a prestar devida vénia... de quem todos esperam uma benção e um consentimento para a continuidade da sua celebração. Um homem com um extremo e dedicado amor pelos seus cães... que contempla o seu espaço... que cede à ajuda daqueles que com ele partilham estes últimos instantes. Aqueles que, em última análise, sabem o que está porvir mas que continuam a dedicar-lhe todo o empenho que até então demonstraram. Percebem - percebemos - que o fim está para breve... mas isso não os - nos - impede de continuar ali do seu lado até ao último fôlego.
Assim, La Mort de Louis XIV é mais uma obra contemplativa do homem e do espaço - ainda que confinado - do que propriamente aquela grande análise histórica do homem e da sua política, do seu legado e dos seus bens, do país ou do continente. Ali, ainda que rodeados de grandes silêncios, o espectador contempla as últimas palavras, os últimos momentos do homem e a sua compreensão de que o fim está próxima. Contemplamos aquilo que aquelas paredes podem (devem) ter testemunhado durante toda uma vida e aquilo que de igual forma será silenciado com a sua partida. La Mort de Louis XIV é, portanto, uma consciencialização final desse fim... Do fim... Do fim último. Da morte como ponto final de toda uma vida glorificada e que, nem mesmo ela, consegue apagar ou esquecer toda essa grandiosidade pela qual viveu.
Súbtil mas intenso, tranquilo mas extremamente determinado, La Mort de Louis XIV é à data a obra maior de Serra que se afirma como um registador da vida no tal instante final que apenas a morte celebra. O legado - do homem - não será celebrado... esse fica para aqueles que mais tarde o recordarão... Aqui apenas iremos confirmar e registar que na morte, independentemente de quem se foi toda uma vida, todos irão morrer de forma mais ou menos pacífica esperando apenas que nesse "um dia" também alguém "nos" possa recordar com o mesmo empenho e dedicação que aqui... este rei... o foi.
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7 / 10
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