quarta-feira, 24 de maio de 2017

Perdidos (2017)

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Perdidos de Sérgio Graciano é a mais recente longa-metragem do realizador de Assim Assim (2012), Njinga, Raínha de Angola (2013) e do recentemente estreado Uma Vida à Espera (2016) aqui numa adaptação livre de Open Water 2: Adrift (2006), de Hans Horn onde Ana (Dânia Neto) e o marido Jaime (Diogo Amaral), Daniel (Afonso Pimentel) e a nova namorada Margarida (Catarina Gouveia), Laura (Dalila Carmo) e Vasco (Lourenço Ortigão), um grupo de amigos que se reúne para celebrar o aniversário deste último, se encontram inadvertidamente numa situação limite quando, depois de se lançarem à água, percebem que a escada de regresso ao barco não se encontra lá.
Perdidos em alto mar sem ninguém que os socorra, os dramas e a tensão psicológica começam a manifestar-se deixando-os dependentes de uma esperança que parece tardar.
Ainda que manifestamente um opositor aos remakes - afinal, não existem tantas e tantas histórias que merecem ser reveladas e contadas?! -, especialmente quando estes se revelam através do cinema português que tem de si originalidade suficiente para não se resumir a repetir aquilo que já foi feito, este Perdidos revelava logo de início alguns elementos que apelavam à minha atenção; a realização de Graciano que já entregou provas suficientes da sua obra tanto no cinema como na televisão, o argumento (adaptado) de Tiago R. Santos e claro, o conjunto de actores que se destacam nas inúmeras produções televisivas que tantos de nós seguem diariamente. Dito isto, será assim tão importante estarmos perante um remake - o primeiro de uma obra internacional - no cinema português?! Não, nem por isso.
A história aqui segue muito daquilo que qualquer espectador mais atento terá visto em Open Water 2: Adrift (2006), e a dinâmica criada tanto no espaço como os diversos intervenientes acaba por - à escala e ao contexto - seguir os mesmos propósitos da obra mencionada. Desta forma, o que nos poderá ligar directamente a este filme de Graciano? Simples... os seus actores.
Convencidos que ficamos - muito cedo até - de que esta história não irá divergir em muito da longa-metragem alemã de 2006, o espectador segue de forma mais atenta as dinâmicas (re)criadas entre os actores deixando-se seduzir pelas aparentes histórias (ainda) por contar que, lentamente, vão sendo reveladas. A primeira dessas dinâmicas prende-se com o casamento de "Ana" e "Jaime". À data pais de um jovem bebé, o casal revela passar por uma crise cuja origem não é  perceptível. Percebemos que "Ana" sofre de depressão pós-parto e que aparenta estar relativamente distante do seu filho. Percebemos que "Jaime" tenta salvar o casamento mantendo um silêncio ruidoso sobre aquilo que o afecta mas, ao mesmo tempo, conseguimos antever que o mesmo não irá durar durante muito mais tempo talvez porque neste encontro com os amigos da sua mulher esteja presente o seu ex-namorado de adolescência pactuando ambos, no entanto, com a imagem de um casal feliz que não deve ficar abalada durante este fim-de-semana que se avizinha "perfeito".
A segunda das dinâmicas aqui presentes passa pela relação de amor não confessado entre "Laura" e "Vasco" que a diferença de idades parece (para ele) ter sido um entrave subconsciente para confirmar o que sentia. "Poderá uma mulher mais velha gostar de um miúdo?" deixa ele escapar pelas suas palavras algures no tempo revelando(-lhe) que afinal sempre esteve apaixonado por ela. Entre um conjunto de piadas, brincadeiras e humor, ambos deixam escapar que sempre existiu uma empatia e atracção que - até então - não fora devidamente confirmada mas que no futuro próximo... "porque não?!"...
Finalmente existe "Daniel"... aquele que, por entre o grupo, sempre teve tudo o que quis... dinheiro, mulheres e objectos - deixando escapar a noção de que todos são praticamente o mesmo -, e que sempre se distanciou de tudo quando o teve como adquirido. É por ele que todos estão novamente juntos e ainda que lhe reconheçam a capacidade de os mobilizar... todos deixam escapar uma certa animosidade para com ele. No fundo, agem como aquele amigo que todos têm mas que na prática pouco se preocupam com ele... Melhor... com ele preocupam-se na medida proporcional àquilo que ele sempre revelou das relações - sentimentais e de amizade - que desenvolvera com todos os demais.
É então que perante este cenário não tão idílico como se deixa inicialmente transparecer que todos se preparam para o tal fim-de-semana em alto mar onde a diversão e as memórias confirmam a união que todos nutrem... ou talvez não...  e até que ponto se deixaram, afinal, distanciar daqueles jovens que, em tempos, haviam sido e conhecido.
Sem revelar grandes detalhes, pois afinal... são esses que todos querem ver na realidade, o argumento de Perdidos torna-se mais frágil naquilo onde poderia realmente distanciar-se da longa-metragem na qual se inspira, ou seja, conseguir aprofundar a dinâmica entre as suas personagens bem como os conflitos internos que cada uma delas parecem revelar. Dito de outra forma, se todos nós acompanhamos aquela primeira metade de Perdidos conscientes que existem histórias por detrás da história de cada um deles, a segunda metade desta longa-metragem apenas revela que todos esses enredos foram preparados sem que, na prática, fossem cozinhados como o espectador esperaria. Assim, e para lá do "acidente" que catapultaria cada um deles para um fim mais ou menos trágico - cada um dentro do seu próprio desespero -, aquilo que o espectador recebe no final é, no fundo, toda uma dose de trabalho de actor que dentro das possibilidades da sua "realidade" se torna possível trabalhar para a dinâmica de perdidos... em alto mar.
É quando confrontados com uma potencial morte que todos acabam por revelar as suas paixões (ao outro), a sua fidelidade (a um casamento) ou até mesmo um desprezo por aquilo que a imagem do outro representa (sobre "Daniel"). É face ao desespero final onde a morte finalmente se anuncia que se deixa perceber que nem tudo o que aparentava estar perdido o está de facto. Que nem tudo o que parece perfeito... afinal o é ou mesmo que nem todas as esperanças e desejos de um amor até então não confessado estão finalmente perdidas... pelo menos não no tal sentimento vivido mas sempre silenciado.
Perdidos é talvez isto... a vontade de compreender que apesar de perdidos em alto mar, a sua vida foi sim perdida muito tempo antes com pequenos caprichos de uma vida que se distanciou de objectivos, de propósitos ou até mesmo de ambições dando tudo como um facto adquirido que, com o tempo, se desvaneceu numa onda de desinteresse. No entanto, para ver esta linha narrativa mais explorada e, como tal, com um trabalho mais intenso sobre a exploração das respectivas personagens, teria sido interessante ver mais do passado de cada um ou, pelo menos, que aquela primeira metade da longa-metragem de Sérgio Graciano tivesse explorado mais a dinâmica de cada uma destas personagens, da sua ideia de vida não cumprida e claro... daquilo que cada um esperava poder vir a ser a mesma... reflectida num parco fim-de-semana de festa e celebração.
Ainda que Perdidos se assuma como uma longa-metragem competente, bem dirigida e com um trabalho de direcção de fotografia dinâmica que capta o melhor desse tal fim-de-semana de festa entregando à luz do sol reflectida nas águas do Atlântico aquilo que ela de facto tem de melhor (a sua imensa luz) - bravo Alexandre Samori -, é a pouco dinamização das histórias de cada uma das suas personagens que mais falta faz para tornar este filme maior e distanciar-se da sua obra de inspiração e do quão vaga ela na prática o é.
Positiva é ainda a entrega de um desempenho protagonista a Dânia Neto que se afirma muito bem como a mulher dividida entre um passado de certa folia e o seu papel como recente esposa e mãe, e todo um apontamento positivo a Diogo Amaral, Lourenço Ortigão e Catarina Gouveia (gostei, gostei e gostei) que conseguem uma simpatia inserção no contexto cinematográfico revelando que há muito mais por explorar para além das eternas novelas. E se por um lado Afonso Pimentel tem aqui o dito "protagonista" que necessitaria, no entanto, de muito mais exploração - novamente a dicotomia entre um passado e um presente que têm ambos, à sua medida, o seu "quê" de trágico - é Dalila Carmo que, uma vez mais, transmite todo um magnetismo que se desejaria ter sido mais explorado... percebemos o porquê de um afastamento dos amigos - de "Vasco" com quem desenvolve uma relação de amor e protecção - e de uma constante viagem pelo mundo mas, ao mesmo tempo, existe todo um mundo de uma tristeza que o seu olhar transmite sem que, no entanto, sejam realmente revelados. Belíssimo trabalho de cada um dos actores a nível individual e colectivo mas que, fosse o filme só um fim-de-semana de "confissões" mútuas... e teria sido um resultado bem mais intenso e por vezes até mais dinâmico.
De uma forma geral Perdidos assume-se como o filme que se propõe.... O filme "desastre" sem que este realmente suceda com um final relativamente esperado mas que poderia ter sido mais convincente e demarcado da obra original. Vale portanto como um simpático filme entretenimento onde se percebe a dedicação de cada um mas... podia ter sido mais... francamente mais.
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6 / 10
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