domingo, 1 de outubro de 2017

El Hombre de las Mil Caras (2016)

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El Hombre de las Mil Caras de Alberto Rodríguez é uma longa-metragem espanhola inspirada em factos verídicos mais concretamente na história do espião Francisco Paesa (Eduard Fernández), o homem que conseguiu, na Espanha actual, enganar todo um país ludibriando o governo, a justiça e a polícia.
Contado a partir de um narrador participante na personagem de Jesús Camoes (José Coronado) na Madrid de 1995, El Hombre de las Mil Caras recua à Varsóvia dos anos 80 onde ""Paco" Paesa" tenta traficar armamento num esquema que envolve a ETA, mas é anos mais tarde quando conhece Luís Roldán (Carlos Santos), que toda esta narrativa se desenrola. "Roldán", a figura que comandou as polícias espanholas nas acções anti-ETA, recorreu aos serviços de "Paesa" para fugir do país com o dinheiro que havia desviado durante anos. Com receio da sua detenção e perda nas malhas da polícia espanhola que anteriormente comandava, "Roldán" envereda por uma vida de fuga na companhia da sua mulher (interpretada pela actriz Marta Etura), e de um conjunto de documentos que compromete as mais altas figuras do Estado incluindo políticos em ascensão e a própria família real. Num jogo de gato e de rato em que se encontrou sempre à frente daqueles que o tentavam encontram, "Roldán" e a astuta vontade de "Paesa" fogem das autoridades e refugiam-se numa estranha e por vezes tensa relação de cumplicidade e dedicação que as circunstâncias fizeram despoletar, bem como por uma avultada quantidade de dinheiro que, para se "perder" deu várias voltas ao mundo de Genève a Londres e daqui a Singapura.
Sempre como uma narração participada por parte de "Jesús", esta história leva o espectador a uma viagem que se encontra por detrás das teias de uma corrupção praticamente impossível de combater na medida em que todos conhecem os esquemas e as voltas que não só o dinheiro como os seus detentores acabam por dar e as leis que prevaricam pelo caminho sem que, no entanto, nada contra os mesmos possa ser feito. De um conhecimento a uma complacência ou até mesmo à eventualidade das negociatas que são engendradas para conseguir capturar "alguém" e fazer figura de justiceiro dentro de uma sociedade saturada das fugas dos grandes "senhores" e capitalistas, El Hombre de las Mil Caras capta a desconfiada amizade que se forma entre dois homens que estando do mesmo lado da lei representam, no fundo, aqueles que testam a justiça e aqueles capazes de a manobrar ou ludibriar afastando as suspeitas, enterrando homens de carreira e, se necessário, eliminar outros tantos que se possam colocar no seu caminho.
Inspirado em acontecimentos verídicos, o argumento de El Hombre de las Mil Caras da autoria do próprio realizador em colaboração com Rafael Cobos é exímio na reconstrução da relação desses dois homens como que vista e testemunhada por um terceiro. Se "Roldán" se assume como aquele homem de Estado - brilhante interpretação de Santos - habituado ao comando dos executores de uma ordem social - a polícia - aqui se apresenta como o próprio prevaricador que foge e se esconde mas tendo, no entanto, toda uma postura de Estadista intocável e, como tal, controlado no seu descontrolo é o "Paesa" de Fernández que se assume como uma força intocável em toda esta história. Desde os instantes iniciais na Madrid de '95 que este homem se revela como um estratega implacável e, apesar dos seus intuitos só serem revelados mais tarde já bem perto do final desta história, é sentido pelo espectador que ele, em toda a sua aparente debilidade, controla os destinos de todos aqueles com quem se cruza. Não é influente... é sim o perfeito manobrador de um conjunto de marionetas que silenciosamente conduz ao (seu) bom porto.
Fernández constrói o seu "Paesa" como um homem metódico, capaz de engendrar todo um conjunto de planos elaboradíssimos que apenas e só ele controla. Todos à sua volta - dos "escravos" económicos capazes de dar a cara pelas suas acções - tal o seu desespero -, à família que assume elevadas quantias de dinheiro que não são suas até mesmo aos meros peões sociais (ou amigos) que beneficia, todos são apenas peças do seu jogo de xadrez. Ele ganha.. independentemente de com quem ou onde jogue. "Paesa" é, sem margem para dúvida, o verdadeiro estratega e Fernández confere-lhe uma estranha e por vezes fria alma que seduz o espectador não tanto pelas suas acções "fora-da-lei", mas sim pela capacidade que exibe em efectuá-las sem qualquer arrependimento ou dúvida.
No seio da relação criada entre estes dois homens é, no entanto, um altamente controlado "Roldán" composto por um brilhante Carlos Santos, que se assume como a improvável surpresa desta história - justíssimo vencedor do Goya Revelação -, conferindo-lhe durante quase toda a sua permanência no ecrã, uma ausência de alma ou até mesmo escrúpulos, revelando-o como um homem moralmente ausente mas que se julga detentor de uma justiça social que, no entanto, apenas o beneficiou a ele. É apenas perto do (seu) final (enquanto personagem) quando parece crer que a sua situação foi finalmente resolvida que o espectador percebe a fragilidade por detrás do homem e que Santos assume como se esta não fosse uma personagem real mas sim alguém por si inventado - e assim foi na construção de personagem que lhe resolveu entregar - e, como tal, alguém capaz de tremer e duvidar do rumo que a sua vida levou... ou tem levado.
Dono de um toque mágico na construção de interpretação e personagens - sejam elas fictícias ou não - Alberto Rodríguez já havia surpreendido o espectador com a sua elaboração de espaços e ambientes mais ou menos dúbios que parecem existir naquele limbo que oscila entre a lei e a ilegalidade (ou o céu e o inferno). Já o havíamos testemunhado em Grupo 7 (2012) e em La Isla Mínima (2014) tendo agora repetido, e cruzamos a sua visão de um mundo onde nem todos aqueles que respeitam a lei são, necessariamente homens de bem, nem tão pouco aqueles que vivem nas suas malhas são perigosos homens de Estado. Ou, por sua vez, estaremos nós a assistir a homens de Estado que são perigosos criminosos e habitantes dessas ditas margens sociais aqueles que mais as respeitam e, tornando-se assim, incapazes de viver num mundo que apenas parece respeitar aqueles que desafiam a lei?!
É nesta constante duplicidade ou dualidade de impressões que o espectador vive com a obra de Alberto Rodríguez. Incapazes de julgar definitivamente todos aqueles com quem se cruza no grande ecrã, o espectador permanece incerto sobre que julgamento - se é que algum - deve realizar sobre todos estes homens cuja ambição não tem limites, cujo desejo vive sempre de forma intensa mas cuja moral se perdeu arrastando-os sim... de homens tidos de bem... para as margens criminosas (mas limpas) de uma sociedade que já perdeu a sua fé na dita lei que pensa protegê-lo. No final apenas o dinheiro protege... e quem o tem sai rei de um jogo que os demais nem sequer pensam ou sonham que também o vivem.
Com um ambiente muito próprio e quase sempre negro - digníssima direcção de fotografia de Alex Catalán - e uma música de Julio de la Rosa que apimenta a história de espiões algo noir que é aqui recriada, El Hombre de las Mil Caras é mais uma confirmação de Alberto Rodríguez enquanto um magnífico realizador e contador de histórias capaz de desmontar as pré-concepções que o espectador tem sobre os ditos homens de bem e os supostos marginais, embrenhando-nos nessas já referidas margens da lei e deixando-nos pensar sobre até que pontos vivemos de facto numa sociedade regida pela mesma.
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8 / 10
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