sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Já Passou (2016)

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Já Passou de Sebastião Salgado e Pedro Patrocínio é uma curta-metragem portuguesa em competição oficial nesta vigésima-terceira edição do Caminhos do Cinema Português que termina no próximo Domingo, dia 3, em Coimbra.
Num tempo incerto, um homem (Gustavo Sumpta) perdido no meio das montanhas. O isolamento parece ditar a sua existência. Uma crianças doente em sua casa. O seu único sustento parece advir daquelas poucas ovelhas que mantêm junto à casa mas, uma tempestade parece ameaçar toda a sua existência.
O argumento assinado pelo também realizador Sebastião Salgado parece querer levar o espectador para um tempo ou para uma época distantes das realidades que hoje conhecemos. Não só o isolamento do espaço em que tudo acontece como também as condições em que pai e filho vivem, assemelham-se a um tempo perdido e que hoje só poderemos encontrar nos livros de História sobre os séculos passados. Nada ao seu (e nosso) redor indica temporalmente onde se (nos) encontram e o próprio meio de subsistência desta família de dois membros indica que o passado e o presente podem estar fortemente diluídos numa única realidade. Quem são, como sobrevivem e mesmo como se poderão desembaraçar das mais vulgares actividades torna-se uma questão que povoa a mente do espectador desde os primeiros momentos em que vemos aquele homem - que se registe uma magnífica interpretação de Gustavo Sumpta como um homem marcado pelo tempo e pelo espaço em que vive - a desbravar no rio um nevoeiro que o impede de prosseguir muito para lá do pouco e escasso espaço que, muito condicionadamente, domina.
Mas são as condições climatéricas que, da mesma forma que o condicionam a um espaço, o impelem a prosseguir - mediante a catástrofe - a tentar o (des)conhecido e responder a um pedido de socorro que o próprio faz. São, no entanto, as adversidades do espaço e do meio que o travam e que o tentam insistentemente lançar para o mesmo espaço de onde veio mas, mediante o pedido de auxílio que espera chegar a alguém, considera silenciosamente impossível desistir de chegar um pouco mais além. Assim, e numa história que não só foca o lado selvagem de uma vida que o espectador desconhece ser voluntária ou não, Já Passou é, no final, uma surpreendente história de sobrevivência que espanta o espectador pelo seu inesperado final colocando-o (ao protagonista bem como ao próprio espectador) num invulgar volte face em relação ao espaço temporal em que se encontra assim como sobre as (in)esperadas dificuldades de uma vida que poderá (ou não) ser  tomada em consciência mas que as adversidades colocaram à prova remetendo-(n)os para a última prova  - e desafio -  sobre a verdadeira dimensão da vontade de sobreviver (face ao meio e à catástrofe), não esquecendo que para lá de todo o meio natural existe um mundo que poderá (ou não) ser tão ou mais cruel do que aquele que (in)voluntariamente já se conhece.
À semelhança do que já havia sido aqui registado com a curta-metragem Cinzas e Brasas (2015), de Miguel Mozos, Gustavo Sumpta domina todos os instantes e momentos de Já Passou não só pela sua intensa interpretação mas também pela forma como consegue controlar todo o espaço ao seu redor. Por muito que se tente - e ainda que se consiga - registar momentos de todo um ambiente natural ao seu redor (marcamos o nevoeiro, o rio, as árvores, a sua humilde e quase em ruínas casa e mesmo aquele que poderá ser o seu meio de subsistência), o olhar do espectador não se desvia nem por um momento da sua personagem/interpretação fazendo dela o centro fulcral de toda uma história em que ele é assumidamente o elo de transformação de comportamento - do espectador - face àquilo que os seus movimentos e acções possam (ou não) desvendar desta história.
Brilhante a direcção de fotografia de Pedro Patrocínio que isola o espectador naquela pequena baía e vale e a direcção artística de Nuno Esteves e Francisco Prates que o coloca num tempo e espaço histórico incerto, Já Passou é seguramente um dos filmes surpresa desta edição do Caminhos do Cinema Português e um dos filmes que estará certamente bem representado no palmarés final.
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9 / 10
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